Trechos das duas cartas escritas (Epistulae
VI.16, VI.20) por Plinio, o Jovem, enviadas a Tácito, sobre a tragédia ocorrida
pela erupção do Vesúvio, que destruiu, não apenas Pompeia, mas Herculano e
outras povoações à sua volta em 24 de agosto de 79.
Vós me pedis a descrição do fim de meu
tio para transmiti-la com maior veracidade à posteridade: eu agradeço; desse
modo, prevejo que sua morte, glorificada através de vossas obras,
beneficiar-se-á de uma glória imortal.
Com efeito, se bem que ele tenha
perecido simultaneamente com povos e cidades durante um cataclismo que se
abateu sobre as mais belas regiões, este notável acontecimento de certa maneira
lhe assegura a imortalidade.
E, se bem que ele próprio tenha
escrito - numerosas obras destinadas a permanecerem, seu futuro durará tanto
mais que a elas se juntará a eternidade reservada a vossos escritos.
Quanto a mim, julgo felizes os homens
aos quais os deuses concederam a graça de realizar ações dignas de serem registradas
por escrito ou de escreverem livros dignos de serem lidos; mas felizes entre
todos aqueles que receberam esta dupla graça. Entre estes incluirei meu tio, graças
aos seus livros e aos vossos. Aceito de muito bom grado e até reivindico o que
vós me impondes.
Ele se achava em Miseno e comandava
pessoalmente a frota. No nono dia antes das calendas de setembro (24 de agosto),
por volta da sétima hora (13 horas), minha mãe lhe faz saber que surge uma
nuvem de tamanho e de aspecto excepcionais; meu tio havia tomado banho de sol,
depois banho frio e, tendo feito uma refeição ligeira, trabalhava descontraído;
pediu os calçados e subiu a um local de onde se podia melhor observar esse
prodígio.
Levantava-se uma nuvem (de longe era
impossível saber-se de que montanha; depois se soube que se tratava do
Vesúvio). Parecia exatamente um pinheiro. De fato, estirada numa espécie de
tronco muito comprido, espalhava-se no ar em ramificações; creio que havia sido
levada por uma corrente de ar recente e depois, ao cessar esta última, a nuvem,
abandonada, ou vencida pelo próprio peso, dissolveu-se se espalhando, ora
branca, ora cinzenta e malhada, conforme estivesse carregada de terra ou de
cinzas.
A meu tio o fenômeno pareceu
importante e digno de ser estudado mais de perto: era a atitude natural de um
sábio.
Fez armar uma galera Iiburniana (cruzador
leve com duas fileiras de remos) e deu-me liberdade de acompanhá-lo se eu o
quisesse; respondi que preferia estudar e ele mesmo indicou-me o assunto de que
eu deveria tratar.
Ele saía de casa quando recebeu um
recado de Rectina, mulher de Cascus, assustada com o perigo que a ameaçava: de
fato, sua vivenda estava localizada em nível inferior ao vulcão e ela não tinha
outra fuga senão pelo mar, suplicando a meu tio que a salvasse de destino tão
funesto. Meu tio mudou de ideia e o que havia começado pelo amor da ciência ele
terminou com o sentimento mui elevado do dever.
Fez sair os quadrirremes, ele próprio embarcou
decidido não somente a socorrer Rectina, mas também outras pessoas (na
realidade, os encantos do litoral atraíam muita gente).
Apressou-se rumo ao local de onde
outros fugiam e manteve o remo de sua embarcação alinhado na direção do perigo,
tão isento do medo que todas as fases desta catástrofe, todos os seus aspectos,
contanto que os tivesse visto, meu tio os ditava ou os escrevia ele mesmo.
As cinzas já começavam a cair sobre o
navio; à medida que seus ocupantes se aproximavam, as cinzas tornavam-se mais
quentes e densas; viam-se já as pedras-pomes e seixos pretos queimados,
expelidos pelo fogo; um baixio acabara de surgir e as rochas desabadas interditavam
as margens.
Ele hesitou por um momento: recuaria
ele?
A seu piloto, que a isto lhe
aconselhava, disse ele: "A fortuna favorece a coragem; tome o rumo da
habitação de Pomponianus".
Este último estava em Stabia, separada
de sua moradia pela metade do golfo (naquele local, o litoral tem forma
redonda, em suave curva, que o mar penetra). Naquele lugar, embora o perigo
ainda não se tivesse dele aproximado, apesar de ser visível e de que,
aumentando de intensidade, chegava cada vez mais perto, Pomponianus havia ordenado
carregar os navios com sua bagagem, decidido a fugir assim que o vento virasse;
este vento muito favorável empurrava meu tio, que beijou o amigo trêmulo,
consolou-o, encorajou-o.
E, para que sua firmeza lhe atenuasse
os temores, desceu para banhar-se; uma vez limpo, pôs-se à mesa, comeu com
prazer ou, o que era igualmente magnânimo, afetou prazer.
Durante esse tempo, o Vesúvio brilhava
em vários lugares com chamas imensas e altas colunas de fogo de cores vivas. A
claridade era acentuada pelas trevas da noite. Meu tio, entretanto, para
acalmar o temor, repetia que eram fogueiras deixadas acesas por camponeses apressados
ou vilas abandonadas que se incendiavam. Nesse momento, ele se entregou ao
repouso e dormiu um sono autêntico. Sua respiração, profunda e sonora devido à
sua corpulência, era ouvida pelos que passavam pela porta do quarto.
Mas o pátio por onde se tinha acesso
aos seus aposentos já estava cheio de cinzas e de pedras-pomes, elevando o
nível do chão a tal ponto que, se meu tio tivesse ficado mais tempo no quarto,
não teria podido sair. Acordado, levantou-se e foi ao encontro de Pomponianus e
dos outros, que haviam ficado acordados a noite toda. Todos deliberaram de
comum acordo: ficar dentro da casa ou sair?
As casas vacilavam depois de frequentes
e graves tremores de terra; abaladas em seus alicerces, pareciam balançar de um
lado para outro. Ao ar livre, por outro lado, temia-se a queda de pedras-pomes,
embora fossem leves e porosas. Foi a isto que todos preferiram depois de
compararem os perigos. Quanto a meu tio, a proposta mais razoável venceu;
quanto aos outros, venceu o medo maior. Colocando travesseiros sobre a cabeça,
amarraram-nos com fronhas e lençóis; isto servia de proteção contra tudo que
caía do alto.
O dia já estava claro em todas as
partes, mas aqui era a noite mais tenebrosa, mais negra que todas as outras
noites. No entanto, numerosas vermelhidões e luzes variadas suavizavam-na.
Foi decidido ir-se até à praia e ver de
perto se era possível sair navegando. O mar continuava agitado e adverso.
Repousando sobre um lençol, várias vezes meu tio pediu água e bebeu.
Depois as labaredas e o odor do
enxofre que as anunciava afugentaram seus companheiros e o acordaram. Apoiando-se
em seus dois jovens escravos, levantou-se e logo caiu. Suponho que a fumaça muito
grossa obstruiu lhe a respiração e fecho-lhe a laringe que, por natureza, ele
tinha estreita e frequentemente oprimida.
Quando nasceu o dia (era o terceiro e
o último que ele vira), seu corpo foi encontrado, em perfeito estado e coberto
com as vestimentas que havia posto ao partir. Sua atitude assemelhava-se à de
um homem que repousa do que à de um morto.
Durante esse tempo, em Miseno, minha
mãe e eu.. Mas isto nada tem a ver com o caso e vós não quisestes saber outra
coisa que não a morte de meu tio. Portanto, vou terminar.
Acrescentarei apenas que vos contei
tudo a que assisti e que me foi relatado imediatamente, quando os relatos são
mais exatos. Vós fareis a seleção que vos aprouver. Escrever uma carta é uma
coisa, outra coisa é escrever uma página de história; escrever a um amigo é
diferente de escrever para o público. Adeus.
Trecho da segunda carta, escrita depois
de novo pedido do historiador Tácito. Onde Plínio, o Jovem, faz o relato
perigos aos quais ele próprio e sua mãe esteve a escapar.
Vós me dizeis que a carta em que, a
vossas instâncias, eu vos contei a morte de meu tio levou-vos a desejar saber
que temores e mesmo que perigos eu enfrentei, eu que ele deixou em Miseno (de
fato, eu havia chegado lá quando interrompi a missiva).
Se bem que meu coração treme com tais
lembranças, recomeçarei.
Após a partida de meu tio, passei todo
o resto do tempo estudando (aliás, eu havia permanecido com este objetivo);
logo depois tomei banho, jantei e deitei-me para um sono curto e agitado.
Durante muitos dias, como sinais de advertência, registraram-se abalos
telúricos menos assustadores porque já estávamos habituados a isto na Campânia.
Mas naquela noite estes abalos
assumiram tamanha intensidade que tudo parecia não tremer, mas girar. Minha mãe
precipitou-se dentro do meu quarto onde, de minha parte, eu já estava de pé e
decidido a ir acordá-la. Sentamo-nos no pátio da casa, exíguo espaço que separava
a casa do mar. Hesito em falar de minha autoconfiança ou de minha imprudência
(afinal, eu tinha meus 18 anos); eu implorei um livro de Tito Lívio e, como se
estivesse em período de lazer, li e fiz até resumos, conforme havia começado.
Chegou um amigo de meu tio, que acabava de regressar da Espanha para vê-lo.
Quando me viu sentado em companhia de minha mãe, e me viu lendo, censurou minha
passividade e minha indiferença com tanta veemência que eu permaneci atento à
leitura.
Já era a primeira hora do dia e a
claridade ainda era incerta e quase doentia; o casario já se espreguiçava e,
apesar de estarmos ao ar livre, a estreiteza do lugar nos fazia temer grandes e
inevitáveis perigos em caso de desabamento. Foi somente então que decidimos
abandonar a cidade; uma multidão seguia consternada e, em meio ao pavor,
identificava-se uma espécie de sabedoria - todos preferiam a decisão alheia à
sua própria; uma imensa coluna empurrava e apressava os que partiam. Uma vez
ultrapassada a zona construída, detemo-nos e aí experimentamos muitos
sobressaltos.
Na verdade, as viaturas que havíamos
levado conosco, apesar de o terreno ser perfeitamente plano, eram puxadas para
o sentido oposto e, mesmo escoradas por pedras, não ficavam no lugar.
Além do mais, víamos o mar se afastar
como se fosse repelido pelos abalos. Em todo caso, a praia havia aumentado de
tamanho e, sobre a areia ressequida, viam-se muitos animais marinhos.
Do outro lado, uma nuvem vermelha e
assustadora, rasgada por rápidos e cintilantes ziguezagues de uma língua de
fogo, entreabriu-se formando longas chamas, semelhantes a relâmpagos, porém maiores.
Foi então que o mesmo amigo de Espanha
fez-se mais enérgico e mais insistente. "Se vosso tio está vivo - disse
ele - ele quer que sejais salvos; se ele pereceu, ele quis que vós lhe
sobrevivêsseis. Por que então tardam a agir?"
Respondemos-lhe que não podíamos nos
preocupar com nossa salvação quando nada sabíamos sobre a dele.
Sem mais tardar, deixou-nos e,
correndo desenfreadamente, escapou ao perigo.
Pouco depois, uma nuvem desceu sobre a
terra e cobriu o mar, envolveu Capri e tirou-a da visão, ocultando agora o
promontório de Miseno.
Foi então a vez de minha mãe rogar-me,
exortar-me, ordenar-me a fugir por todos os meios; isto era-me possível, a mim que
era jovem. Quanto a ela, alquebrada pela idade, morreria contente, se não fosse
a causa de minha morte.
Eu então lhe respondi que só me
salvaria junto com ela. Peguei-lhe então a mão e obriguei-a a apertar os passos.
Ela obedeceu a contragosto e acusou-se de me retardar.
Viro-me: uma névoa negra e grossa
ameaçava-nos por trás e seguia-nos, como uma torrente que se espalha sobre o
solo. "Tomemos um atalho, enquanto podemos enxergar" - disse eu, com
receio de sermos jogados ao chão na estrada e de sermos esmagados nas trevas
pela multidão dos que fugiam conosco.
Mal nos sentamos, eis que cai a noite,
não uma noite nublada e sem lua, mas uma noite que se passa num lugar fechado,
com todas as luzes apagadas. Ouviam-se os gemidos das mulheres, o choro dos
bebês, os gritos dos homens; alguns chamavam o pai ou a mãe pelos nomes,
tentando localizá-los, outras chamavam pelos esposos, outros pelos filhos.
Alguns lamentavam a própria adversidade, outros lamentavam a desgraça dos que
lhes eram próximos; havia gente que, temendo a morte, invocava a morte, muitos
estendiam os braços para os deuses, mas mais de uma pessoa explicou que em
nenhuma parte havia mais deuses, que aquela noite eterna era a última do mundo.
Não faltava quem aumentasse os perigos
reais mediante terrores fingidos e mentirosos. Chegavam pessoas anunciando que
em Miseno tal edifício desabara, que aquele outro se incendiara: era falso, mas
havia quem acreditasse.
Uma fraca claridade reapareceu. Uma
claridade que nos parecia não a luz do dia, mas indício da aproximação do fogo.
Pelo menos o fogo não avançava muito; novamente as trevas, novamente as cinzas
abundantes e pesadas. De vez em quando levantávamo-nos para sacudí-Ias, senão
elas nos cobririam ou mesmo nos esmagariam com seu peso.
Eu poderia me vangloriar de não ter
deixado escapar um gemido, uma palavra pouco corajosa em meio a tão grandes
perigos, se o pensamento de que eu perecia com tudo e de que tudo perecia
comigo não me tivesse trazido um consolo amargo, certamente, mas apreciável.
Por fim o nevoeiro negro atenuou-se e
desfez-se à maneira de uma fumaça ou de uma nuvem; logo depois brilhou a
verdadeira luz do dia, o sol; no entanto, estava lívido como por ocasião de um
eclipse.
Aos olhos ainda indecisos, tudo se
oferecia sob um novo aspecto, tudo coberto por uma espessa camada de cinzas,
como acontece com a neve. Regressando a Miseno, restauramos nossas forças como
foi possível e passamos uma noite inquieta, divididos entre a esperança e o
medo.
O medo era mais forte: a terra
continuava a tremer e a maioria das pessoas, com o espírito transtornado por
terríveis pressões, fazia mofa de suas desgraças e das dos demais.
Mas, nem mesmo naquele momento, embora
conhecêssemos o perigo por experiência e esperássemos sua reincidência, não
tivemos intenção de partir sem ter notícias de meu tio.
São estes os acontecimentos, indignos
da história, e vós lereis, sem ter a intenção de escrevê-los em vossas obras; e
culpareis a vós mesmos, que me pedistes, se eles não forem dignos sequer de uma
carta. Adeus.