segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Não te amo

Não te amo, quero-te: o amor vem da alma. 
E eu na alma - tenho a calma, 
A calma - do jazigo. 
Ai! Não te amo, não. 

Não te amo, quero-te: o amor é vida. 
E a vida - nem sentida 
A trago eu já comigo. 
Ai! Não te amo, não! 

Ai! Não te amo, não; e só te quero 
De um querer bruto e fero 
Que o sangue me devora, 
Não chega ao coração. 

Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela. 
Quem ama a aziaga estrela 
Que lhe luz na má hora 
Da sua perdição? 

E quero-te, e não te amo, que é forçado, 
De mau, feitiço azado 
Este indigno furor. 
Mas oh! Não te amo, não. 

E infame sou, porque te quero; e tanto 
Que de mim tenho espanto, 
De ti medo e terror... 
Mas amar!... Não te amo, não. 


Seus olhos - se eu sei pintar 
O que os meus olhos cegou 
Não tinham luz de brilhar. 
Era chama de queimar; 
E o fogo que a ateou 
Vivaz, eterno, divino, 
Como facho do Destino. 

Divino, eterno! - E suave 
Ao mesmo tempo: mas grave 
E de tão fatal poder, 
Que, num só momento que a vi, 
Queimar toda alma senti... 
Nem ficou mais de meu ser, 
Senão a cinza em que ardi.

Almeida Garret