quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Filantropia e sinceridade

Nunca ouvi falar de reunião filantrópica em que fosse proposto com sinceridade fazer-se algo de bom para mim ou para meus semelhantes.

Henry David Thoreau

Políticos e fraldas

Políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos pelo mesmo motivo.

Eça de Queiroz

Caráter, idéias e moral

Aos políticos, menos liberalismo e mais caráter. 
Aos homens de letras, menos eloqüência e mais idéias. 
Aos cidadãos em geral, menos progresso e mais moral.

Eça de Queiroz

Decisões perfeitas

Eu tomo decisões. 
Talvez não sejam perfeitas, mas é melhor tomar uma decisão imperfeita do que buscar continuamente uma decisão perfeita que nunca se encontra.

Charles de Gaulle

Grandezas e modéstias

É próprio das grandes almas desprezar grandezas e almejar mais o médio do que o muito.

Francisco de Quevedo

O futuro e seus nomes

O futuro tem muitos nomes.
Para os fracos é o inalcançável.
Para os temerosos, o desconhecido.
Para os valentes é a oportunidade.

Victor Hugo

Gratidão e vingança

Os homens apressam-se mais a retribuir um dano do que um benefício, porque a gratidão é um peso e a vingança, um prazer. 

Tacito

Os que amei, onde estão?

Os que amei, onde estão? Idos, dispersos, 
arrastados no giro dos tufões, 
Levados, como em sonho, entre visões, 
Na fuga, no ruir dos universos… 
E eu mesmo, com os pés também imersos 
Na corrente e à mercê dos turbilhões, 
Só vejo espuma lívida, em cachões, 
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos… 

Mas se paro um momento, se consigo 
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado 
De novo, esses que amei vivem comigo, 

Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também, 
Juntos no antigo amor, no amor sagrado, 
Na comunhão ideal do eterno Bem.

Antero de Quental 

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Não te amo

Não te amo, quero-te: o amor vem da alma. 
E eu na alma - tenho a calma, 
A calma - do jazigo. 
Ai! Não te amo, não. 

Não te amo, quero-te: o amor é vida. 
E a vida - nem sentida 
A trago eu já comigo. 
Ai! Não te amo, não! 

Ai! Não te amo, não; e só te quero 
De um querer bruto e fero 
Que o sangue me devora, 
Não chega ao coração. 

Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela. 
Quem ama a aziaga estrela 
Que lhe luz na má hora 
Da sua perdição? 

E quero-te, e não te amo, que é forçado, 
De mau, feitiço azado 
Este indigno furor. 
Mas oh! Não te amo, não. 

E infame sou, porque te quero; e tanto 
Que de mim tenho espanto, 
De ti medo e terror... 
Mas amar!... Não te amo, não. 


Seus olhos - se eu sei pintar 
O que os meus olhos cegou 
Não tinham luz de brilhar. 
Era chama de queimar; 
E o fogo que a ateou 
Vivaz, eterno, divino, 
Como facho do Destino. 

Divino, eterno! - E suave 
Ao mesmo tempo: mas grave 
E de tão fatal poder, 
Que, num só momento que a vi, 
Queimar toda alma senti... 
Nem ficou mais de meu ser, 
Senão a cinza em que ardi.

Almeida Garret

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

O Homem, o tempo, a graça

Extratos do Auto do Homem, do tempo e da graça. 

Começam a bater as pancadas da meia-noite.

O HOMEM, aflito, olha de um lado e de outro.

HOMEM - Eis que se vão encontrar o ancião e a criança, como pintam os almanaques e a primeira página dos jornais ilustrados. 
O velho deixará seu testamento ao novo. 
O novo entrará soberano e dominador. 
Tenho medo, tenho medo, do Ano Novo; é ele que possui agora as palavras da vida e da morte... Soa a última pancada do sino. 

Entra em cena o TEMPO.

HOMEM - Mas, que vejo? Onde está o outro? 

TEMPO - Que outro? 

HOMEM - Não és dois, o Ano Velho e o Ano Novo?

TEMPO - Não há velho nem novo; sou o Único. 

HOMEM - Na verdade és muitos, mas no último minuto de Dezembro és dois. Dar-se-á o caso de não haver eu visto passar o outro, no preciso minuto? 

TEMPO - Não existe outro. Só eu existo. 

HOMEM - Se tendes um número não és único. 

TEMPO - Que número? 

HOMEM - O do calendário. 

TEMPO - Numerosos são os calendários, as eras e as hégiras. Possuo muitos números, mas sou sempre o mesmo. 

HOMEM - Então não és o Ano Novo? 
Deixa-me ver o teu rosto! (Recuando com assombro) Horror dos horrores! 
Ele não tem olhos, nem boca, nem nariz, nem face . .. 
É mais terrível do que o Ano Velho, porque ao menos conhecíamos daquele a execrável fisionomia de matador e incendiário.
Mas este não tem olhos por onde se veja a alma, nem boca por onde se lhe possa medir a sensualidade ou o timbre do seu misterioso querer. 
Ai! Bem o temia eu! 
E agora, estou diante dele! 
Ó pavoroso personagem sem rosto: que me trazes nos próximos meses?

TEMPO - É a ti que te faço tal pergunta, imprecando-te, Homem, para que me digas: que pretendes de mim? 

HOMEM - Tua atitude é desconcertante como teu rosto sem rosto, tua voz sem boca, tua visão sem olhos. 
Pois então sou eu, mísero e medroso, que, vindo interrogar o Oráculo que és, hei de, ao contrário, prognosticar-te o destino? 
Estarão os tempos tão mudados que a mim, Homem, desamparado de todo o conforto e esperança, já não me é lícito recorrer, como outrora em Roma, em Atenas, em Babilônia, à sabedoria dos Oráculos, para erguer - ainda que por símbolos ou fórmulas augurais - uma ponta do véu que encobre aos olhos humanos a página do Livro do Destino, onde escreveram seus decretos as mãos do Bem e do Mal? 
Sou eu que te hei de consolar com os "porquês", os "comos", os "quandos" e os "ondes", que vim buscar, sedento de esperança, aqui, a meia-noite? 
Serás mais embusteiro do que o teu predecessor? 

TEMPO - Não tenho predecessor nem sucessor. 
Eu sou o Único, aquele que foi posto para ser trabalhado pelo Verbo, na criação dos Espaços e das Formas constantemente arrancadas de mim. 
A misteriosa geometria não procede da minha essência, mas, derivando da ação criadora, opera em mim como o escultor que liberta, pela sua vontade, as linhas adormecidas no recesso da pedra. 
E tu, Homem, criatura entre todas eleita, és superior a mim, porque participas da criação daquele que nos criou.
Portanto, em tudo o que te diga respeito, a ti e ao teu reino - o reino que te foi dado para que reinasses - tens o poder de fazer de mim o que te apraza ... 

HOMEM - Serei assim tão poderoso? 
Eu, joguete das paixões que soltei pelo mundo e agora me atormentam? 
Eu, que mil vezes caio, e torno a erguer-me, para de novo cair? 
Eu, que tremo pelo que virá e pelo que será, e que agarro com as mãos crispadas e levo ao peito egoistamente aquilo que julgo ser a minha felicidade e que, afinal, é uma nova forma de tormento, pelo constante receio de perdê-la? 
Sou eu, fraco e falível, que te hei de dizer, ó Ano Novo, o que te vai acontecer? 

TEMPO - E serás tu que me darás fisionomia, desde o primeiro minuto. 
Serei teu alter ego, o teu espelho; a tua própria personalidade na expressão dos acontecimentos, bons ou maus, que suscitares no mundo. 
Nada esperes de mim, porque sou eu que tudo espero de ti!

P. Salgado