segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Zero!

"Aviões inimigos! - adverti meus pilotos. Podia garantir que eram inimigos pela sua formação; duas formações, de quatro aviões, mantendo uma altitude de cerca de 5.400 metros.

Se a formação inimiga nos tivesse percebido, ter-se-ia imediatamente voltado para nós e forçado um ataque, tirando vantagem de sua altitude.

Mas parecia que não se haviam dado conta da aproximação dos nossos Zeros. Se quiserem lutar - pensei - terão que romper a atual formação. Não - Eles estreitaram o espaço entre os aviões! Nem se dão conta de que nos aproximamos - essa é uma oportunidade de golpeá-los rijamente!

Se conseguir abater dois aviões de cada formação em um só ataque. Tomando-os de surpresa pela retaguarda, estarei em condições de tomar conta da metade deles. Meus rapazes se encarregarão dos demais.

Empurrei a alavanca do acelerador até o fim, desenvolvendo velocidade máxima. Não importava que os demais Zeros me acompanhassem. Velocidade é da mais absoluta importância numa batalha e não podia deixar que a oportunidade se esvaecesse.

Havia boas razões para esse procedimento. Em três ocasiões diferentes eu fizera ataques de surpresa contra formações inimigas atacando de uma posição inferior e pela retaguarda e lograra abater dois aviões em cada uma das investidas.

A primeira vez fora nos céus de Surabaia, quando derrubei dois aviões holandeses, enquanto que a segunda e a terceira tiveram lugar em Port Moresby. Em ambas as vezes meus adversários eram Bells P-39. Tentaria o mesmo ataque agora.

A distância entre meu avião e a formação inimiga se encurtava rapidamente.. 500 metros, 400 metros, 300 metros. Nesse momento me inteirei dos pormenores dos aviões inimigos. Eu caíra numa armadilha!

Até esse momento eu acreditara que os aviões inimigos eram caças, mas não! Eram torpedeiros TBF.

Não admira que antes, tivessem estreitado o espaço os aviões; eles haviam avistado nossos caças e se uniram para proteção. Amaldiçoei-me pela minha estupidez. Estava apenas a 90 metros dos aviões inimigos. Avistava perfeitamente os torretas dos Grummans TBF - de cada incrustação de vidro uma pesada metralhadora de 12.7 mm - dezesseis ao todo - apontava para o meu único avião!

Não havia meios de fugir. Se me voltasse subitamente, exporia o flanco do Zero ao fogo concentrado de dezesseis metralhadoras. Somente podia continuar o ataque. Meu avião partiu célere contra os bombardeiros inimigos - 70 metros - 60 metros - 50 metros.

Não podia ir além. Apertei violentamente o botão de disparo.
Meu canhão de 20 mm e as pesadas metralhadoras do inimigo, espocaram quase simultaneamente, estabelecendo uma ponte de fogo e fumaça entre a estreita faixa que nos separava. Crack! Um ruído ensurdecedor além de toda descrição. O mundo inteiro explodiu e o Zero se agitou no ar como um brinquedo. Não sabia o que acontecera. Teria abalroado o inimigo? Não sabia dizer.

Senti-me como se me tivessem golpeado na cabeça com uma clava. O céu se iluminou de vermelho e caí inconsciente. Verifiquei mais tarde que dois aviões inimigos e o meu começaram a tombar simultaneamente. Talvez dois terços do para-brisa tivessem sido arrancados pelas balas das metralhadoras do inimigo.

Meu caça deve ter descido como uma pedra. Dentro de momentos, o ar frio que entrava pelo para-brisa destroçado fez-me voltar a mim. A primeira imagem que me veio à mente foi o rosto de minha mãe querida. "Que há com você? Tenha vergonha. desmaiar com tão pequeno ferimento'" - Ela parecia censurar-me.

De uma altura de 5.400 caí cerca de 2.000 metros. O avião ainda tombava descontroladamente, quando subitamente pensei num ataque suicida. Se devo morrer - pensei - levarei um navio de guerra americano comigo, estes são preferíveis aos navios de transportes. Vi-os apenas alguns minutos antes; lembro-me deles muito bem. Os curtos e bojudos são navios de transporte, os longos e esguios são cruzadores. Se golpeasse um cruzador, teria o mérito de um bom piloto.

Enquanto pensava mergulhar sobre um navio de guerra americano, perscrutava o oceano. Não vi navio algum! Não via nada! O que havia de errado? Somente então constatei que meu rosto havia sido retalhado por numerosos fragmentos de granada. Eu estava cego.

O Zero continuou a mergulhar em direção ao oceano. Devido à crescente pressão do vento que rugia através da carlinga estilhaçada, e ao fato de o Zero aumentar de velocidade na queda, minha mente se envolvia na confusão, incapaz de avaliar as condições do motor ou da minha posição de voo.

Estranhamente, não sentia dor. Inconscientemente, pela força do hábito, empurrei a alavanca de controle. Aparentemente o avião emergiu de seu mergulho descontrolado e retomou a posição horizontal; a pressão do vento através da carlinga deve ter contribuído.

Tentei mover a alavanca de aceleração do motor. Minha mão esquerda estava entorpecida; não conseguia sequer flexionar os dedos. Quando tentei pisar no pedal do leme, para corrigir o voo destrambelhado do Zero, verifiquei que minha perna esquerda também estava entorpecida.

Em desespero soltei a alavanca de controle e esfreguei os dois olhos com a mão direita. Esfregando duramente, comecei a vislumbrar a ponta da asa esquerda. Podia ver - embora confusamente - com minha vista esquerda! Conquanto continuasse esfregando meu olho direito, foi inútil. Não recuperei minha vista e o olho permaneceu cego.

Divisei através de uma brilhante fita vermelha, como se o mundo inteiro e tudo o que nele estava flamejassem violentamente. Bati minha mão e perna esquerdas com o mão direita, mas não senti nada. Estavam ambos completamente paralisados. Que acontecera? Continuei me interrogando vezes seguidas.

Bruscamente a dor explodiu na minha cabeça, uma dor de agonia, que me deixou fraco e sem fôlego. Experimentei tocar a cabeça com minha mão direita; voltou rubra de sangue. Foi nesse momento, quando ainda arfava de dor na cabeça, que avistei algo preto correndo abaixo de minha asa esquerda. Com meu olho esquerdo, via confusamente o que pareciam grandes objetos negros agitando-se atrás da asa.

Conjeturava sobre o que poderiam ser, quando abruptamente, acima do ruído do motor, ouvi o crepitar de metralhadoras. Várias balas perfuraram as asas e o Zero tremeu ligeiramente com o impacto. Eu voava diretamente por sobre o comboio de tropas do inimigo!

Agora minha vida chegou ao fim! - pensei. Já afastara toda a esperança de sobreviver àquele voo. Desde que recuperara, conquanto que precariamente, a capacidade de permanecer consciente e pilotar o avião, a qualquer momento poderia fazer um ataque suicida contra um navio inimigo. Não tinha sentido prolongar uma luta inútil. Aceita a inevitabilidade da morte, tornei-me calmo e avaliei melhor as condições do avião. E então pensei:

Não derrubei diversos aviões inimigos hoje? Provavelmente elevei para sessenta o meu total. Mandei todos aqueles aviões para o mesmo destino ao encontro do qual partia agora. Agora é minha vez. Sempre esperei que isso acontecesse. Nesse mesmo dia cometi o maior e o último erro de minha vida, quando confundi os bombardeiros TBF inimigos com aviões de caça. De qualquer maneira, finalmente deparara com aviões da Marinha Americana, pelos quais esperara tanto tempo. Não há nada de que eu tenha de se arrepender.

Nesse instante comecei a pesar as possibilidades de vida ou morte. Já sei, disse comigo. - Se puder, enfrentarei um avião inimigo e deixarei que me vença. Morrerei como um piloto em combate aéreo. Sempre haverá tempo para mergulhar contra um navio inimigo.

Aguardando um ataque de caças inimigos, muitos dos quais deveriam estar no ar para proteger o comboio de tropas, comecei a descrever grandes círculos.

Os minutos passavam lentos. Nada aconteceu. Virão eles, afinal? Ouvirei subitamente os sons da metralha quando os caças inimigos mergulharem sobre o meu Zero?' Esperei voando sem objetivo, mas nada aconteceu. Parecia que estava sozinho no céu.

Olhei para o mar embaixo, e notei que meu avião rumava para Tulagi. Quando minha cabeça melhorou e eu podia ver mais claramente com minha vista esquerda, alcancei o acelerador com a mão direita e empurrei a alavanca. O motor rugiu e o Zero arremeteu para frente.

Se continuar assim pensei, - poderei ganhar altura. E se a sorte não me abandonar, poderei até mesmo alcançar Shortland, ou Buka, se não a própria RabauI.

Apesar de ter aceitado a morte como inevitável, ainda assim era humano e desejava procrastinar a morte tanto quanto possível. Se o avião continuasse a voar e eu permanecesse consciente, eu teria boa chance. Mas primeiramente teria que deter a hemorragia. Tirei as luvas e examinei meus ferimentos.

Como o ferimento na cabeça me parecesse o mais grave e ainda sangrasse, inseri o index e o dedo médio através do rombo do meu capacete de voo. Os dedos penetraram fundamente na ferida que senti pegajosa e áspera. Obviamente a ferida era profunda, rompidos que estavam os ossos do crânio. Por incrível que pareça, minha cabeça estava clara agora e começava a ver melhor do que antes. 
 
Tateando os ferimentos, lembrei-me da estória sobre Ryuma Sakamoto, um corajoso samurai, que permanecera vivo depois de um assassino lhe ter infligido terrível cutilada. Bem, se a sorte continuasse, alcançaria Shortland. Tentaria lá chegar, se possível.
Algo deve ter entrado em minha cabeça - pensei. Sentia-a pesada e a hemorragia continuava. (Um exame médico posterior descobriu duas balas de metralhadora alojada em meu crânio).

Sangue quente pegajoso escoria ao longo da nuca, embebendo-se no cachecol e no colarinho de meu uniforme de voo. Coagulava-se numa viscosa e desagradável mancha.

Partes do meu rosto e cabeça estavam expostos ao vento e pareciam retalhadas como uma tábua corrugada. O sopro do vento pelo para-brisa estilhaçado secara o sangue, transformando-o numa pasta que me cobria o rosto.

Ainda me encontrava em sérias dificuldades. Não conseguia ler os pormenores na bússola por causa do olho direito ainda cego, e a visão pelo olho esquerdo era confusa.

Para alcançar Shortland, teria que retraçar o curso geral que haviamos percorrido em direção a Guadalcanal naquela manhã. Mas não conseguia determinar a direção certa. Não conseguia valer-me da bússola.

Felizmente, durante o voo a Guadalcanal. eu tentara preparar-me para uma emergência na eventualidade de minha bússola entrar em pane, e me encontrar afastado dos companheiros. Concluí que o melhor método de determinar a direção adequada seria tomar leituras das posições do sol.

Cuspi repetidamente sobre a mão direita, esfregando continuamente os olhos. Mas era inútil; nem sequer conseguia encontrar o sol! Com o crescente desespero de minha situação, o único consolo era o fato estarrecedor de que o avião, de alguma maneira, conseguia se manter em voo, a despeito dos pesados danos que sofrera. Por todas as razões, o caça já se devia ter desintegrado há tempo.

Incapaz de fazer algo, no momento, para acertar a direção adequada a fim de alcançar Shortland, tentei novamente deter a sangria da cabeça. Trazia sempre comigo bandagens triangulares, exatamente para tal emergência.

Tentei aplica-las nos ferimentos da cabeça, a ver se estancava o sangue. O vento tornou infrutíferas as duas primeiras tentativas, era extremamente difícil ajustar a bandagem em torno da cabeça, porque devia simultaneamente pilotar o avião, e minha mão esquerda estava paralisada.

Antes mesmo de perceber, as bandagens haviam desaparecido e minha situação não melhorara desde o instante em que havia começado. Desprendi o cachecol do pescoço. Segurando uma ponta com o pé direito, cortei o cachecol em quatro pedaços com uma faca apertada entre os dentes. Três dessas bandagens feitas do cachecol foram arrancadas pelo vento. Fiquei apenas com um pedaço.

Forcei-me à calma. Fora por demais impaciente e manipulara desastradamente as bandagens e as tiras do cachecol. Para reduzir a pressão do vento tanto quanto possível, baixei o assento até o extremo limite.

Coloquei então os controles do motor e a alavanca de controle em posição que permitisse o avião voar sozinho, e comecei a aplicar o último pedaço de bandagem na minha cabeça.

Segurando uma das pontas da tira do cachecol com os dentes, para evitar que o vento a levasse, com a mão direita empurreia-a polegada por polegada entre o espaço entre minha cabeça e meu capacete. Segurando o fôlego, apertei a jugular do capacete tanto quanto possível. A hemorragia cessou, senti que minha luta com as bandagens havia durado pelo menos meia hora.

Quando pensei que podia relaxar-me, fui assaltado pelo pior inimigo: uma invencível sonolência. Parecia-me mergulhar no sono, num torpor morno sem dor nem resistência. Com imensa dificuldade lutava contra o desejo avassalador de dormir.

Quando, finalmente, consegui manter aberto o meu único olho são, e olhei em torno, verifiquei com grande espanto que o Zero voava de borco. Rapidamente empurrei a alavanca e corrigi a posição de voo.

Sabia que se não me mantivesse inteiramente alerta de agora em diante, mergulharia para a minha própria morte. Apertei os punhos contra a cabeça; a dor resultante manteve-me desperto por algum tempo.

Em alguns minutos aumentou a cruciante dor na minha cabeça, a ponto de se tornar quase insuportável. Pensei que ia gritar. O rosto parecia atravessado por uma chama ardente. Estava sendo queimado vivo.

Mesmo assim, ondas de exaustão esbatiam-se contra mim, mergulhando-me na sonolência outra vez. O Zero cambaleava no ar quando minha mão afrouxava. Mesmo a terrível dor dos ferimentos não me manteria desperto. Fui obrigado, várias vezes a bater na cabeça com meu pulso direito.

De alguma maneira mantive meu Zero no ar, voando em linha reta e no mesmo nível. Mesmo nessa agonia, a sonolência lançou suas ondas sobre mim; e de cada vez eu as expulsava batendo com a mão fechada contra a cabeça.

Lutava desesperadamente para manter-me desperto. Sabia que não me seria possível continuar o voo nessas circunstâncias por muito tempo. Pensei subitamente em minha merenda; ainda havia alguma na carlinga.
Com as mãos ensanguentadas, empurrei os bolos de arroz para dentro da boca, forçando-me a comer. Consegui mastigar e engolir três pedaços, mas quando comecei a comer o quarto, subitamente senti enjoo e devolvi tudo o que havia engolido. Meu estômago não aceitava comida.

Novamente o sono desceu pesadamente sobre mim, obrigando-me a martelar a cabeça para manter-me consciente.

Se continuasse a sucumbir a sucessivos ataques de sonolência, sabia que cedo ou tarde eu cairia no sono, e isso representava o fim. Jamais alcançaria Shortland ou Buka. Concluí que seria melhor voltar a Guadalcanal e mergulhar sobre um navio inimigo do que afundar no oceano caso adormecesse ou se esgotasse o combustível.

Quando voltei a frente do Zero para a área de batalha, minha cabeça miraculosamente clareou. Meus sentidos estavam aguçados, e senti-me bem desperto. Novamente voltaram as esperanças de regressar a uma base japonesa. Voltei o avião outra vez e rumei na direção que julgava me levar para casa. Por alguns instantes a sonolência voltou.

A essa altura, movimentava-me por puro hábito. Pela terceira vez voltei o avião para a área de batalha em Guadalcanal, decidido a um ataque suicida. Foi uma sucessão de estados de alerta e de sonolência avassaladora. Repeti as manobras, virando o avião ora para Guadalcanal, ora para minha base.

Defrontava-me com o dilema de um instinto todo poderoso de auto conservação e o forte desejo de encerrar esse voo enlouquecedor com uma morte gloriosa. De alguma maneira, cada uma dessas emoções conseguia sua vitória e inconscientemente eu voltava o Zero, para frente ou para trás.

Tornei-me inteiramente cego outra vez. Uma sombra de ilhas que eu tinha visto desapareceram abruptamente e em seguida o painel de instrumentos mergulhou na escuridão.

A minha situação era a pior possível. Não lograva mais saber em que direção ficava Guadalcanal ou minha base. Tentei esfregar meus olhos com saliva, mas quando cuspi na minha mão nada saiu de minha boca. Tão seca estava que não restara um traço de saliva.

Tudo começou a sair-me errado. Estava perdido e inteiramente cego, meio paralisado. e com um avião destroçado. O Zero começou a jogar violentamente, sacudindo-se quando perdeu a estabilidade. Pendurei-me desesperadamente na alavanca de controle, tentando manter o nível do avião apenas pelo tato.

Repentinamente a luz me voltou! Linhas brancas raiavam diante de mim em tremenda velocidade. O Zero estava quase sobre as águas! As linhas brancas eram as cristas das ondas. que se erguiam exatamente abaixo das asas do avião.
No minuto seguinte vislumbrei uma ilha à minha frente. Deus me salvou! - gritei. Mas quando me aproximei, a "ilha" metamorfoseou-se em nuvem de chuva acastelada sobre as águas. Esse equívoco se repetiu por diversas vezes. Voei a esmo durante quase duas horas.

Finalmente, com minha cabeça melhorando constantemente, pude ler a agulha e as grandes letras da bússola com meu olho esquerdo. Minha chance de regressar à base japonesa era melhor do que nunca, desde que fora ferido.

Levando em conta o meu voo a esmo, julguei que minha posição ficava seguramente a norte-nordeste das Ilhas Salomão.

Com as mangas do meu uniforme de voo, esforcei-me por remover o sangue do meu mapa lambuzado e o estendi sobre os joelhos. Marquei com "X" o local onde julgava estar. Girei então noventa graus para oeste, esperando cruzar as Ilhas Salomão, que se estendiam de norte a sul.

Quarenta minutos após, avistei um recife em forma de ferradura. Era uma das Ilhas Verdes, que devido à sua forma peculiar, me haviam chamado a atenção no voo matutino. Se continuasse assim, em breve tudo estaria bem. Estivera em situação desesperada por algum tempo, mas parecia que agora estava no caminho certo de uma base japonesa. Nada é mais desencorajador para um piloto do que perder-se, principalmente quando o combustível se está esgotando.

O perigo de perder-me estava assim conjurado, mas quase imediatamente se abateu sobre mim outro incidente quase fatal. Mal havia colocado o Zero em seu novo curso, quando o motor parou, e o caça começou a despencar para o mar. O combustível dos tanques principais se exaurira, restando apenas quarenta galões do tanque de reserva.

Para economizar combustível, vinha mantendo o motor alimentado por quantidade de combustível tão minguada que não mais pegou quando liguei o tanque de reserva. Soltei a alavanca de controle e movimentei a do acelerador para a 'frente e para trás com minha mão direita, alternando os movimentos tão rapidamente quanto podia para manipular a bomba de gasolina. O Zero chegava já à superfície das águas quando o motor pegou.

Eu estivera operando freneticamente a alavanca do acelerador, trabalhando a bomba de combustível, e tentando prolongar o voo planado - tudo isso com um braço e uma perna paralisados e o olho direito cego. Eu estava coberto de suor frio.

Não demorei a avistar a Ilha de Nova Inglaterra. Rabaul não estava longe, e minhas esperanças de alcançar minha própria base cresceram rapidamente. Comecei a ganhar altura lentamente, para tomar o caminho mais curto através da ilha.

Subir requeria mais combustível. A despeito do desfalque em minhas reservas de combustível que se exauria rapidamente, tinha que tentar ganhar certa altitude. Abruptamente minhas esperanças se desvaneceram. Uma negra nuvem de borrasca apareceu diretamente à minha frente quando havia subido até 1.500 metros. Minha única alternativa era bordejar a costa da ilha. Não me atrevi a correr o risco de mergulhar através da borrasca.

Mudei o curso para sudoeste. Abaixo de mim apareceram várias esteiras brancas no oceano. Aparentemente eram navios de guerra japoneses que rumavam a todo vapor para o sul.

Se pousar na água, ao longo dos navios, - conjeturei - poderei ser recolhido. Mas isso poderia significar uma protelação de importante missão dos navios. Não posso fazer isso. Mantive meu curso para Rabaul. Os minutos voavam enquanto o motor zumbia. Conquanto muito cansado, não mais me assaltava a sonolência que antes quase ocasionara minha morte. Instantes após - não lembro o tempo exato, perscrutei a ilha debaixo de minha asa direita. Notei uma grande cratera no solo. Era a cratera da pista aérea! É Rabaul!

Era difícil acreditar no que via. Tudo parecia como num sonho. Mais tarde, verifiquei que eu estive oito horas e meia no ar naquele dia.

Aterrissar o Zero seria extremamente difícil, uma vez que minha mão esquerda estava paralisada e meu controle do leme seria precário. Tinha poucas esperanças de conseguir um pouso seguro, uma vez que o Zero havia sido tão severamente castigado pelo fogo do inimigo que era um milagre que o avião ainda se mantivesse no ar. Nesse caso, a única regra válida era pousar no mar. Mesmo que o avião naufragasse, o piloto poderia ser salvo pelos barcos salva-vidas que estariam esperando.

Preparei-me para descer na água, soltando levemente a alavanca do acelerador. Gradualmente o avião perdeu altura quando o coloquei a favor do vento. No momento em que descia para o mar, mudei de ideia. Estava certo de que minhas horas estavam contadas. Mesmo que pouse com êxito na água e seja recolhido, - pensei - não viverei por muito tempo. Envergonho-me de haver considerado a hipótese de causar tanto trabalho a meus amigos, que recolherão um homem de nenhuma serventia para o futuro.

Conquanto mais perigoso, pousarei diretamente na pista e pouparei todas as dificuldades que a descida na água possa criar.
Interrompi minha lenta descida e comecei a descrever círculos por sobre o campo, estudando a pista a ver a melhor maneira de aterrissar. Depois de sobrevoar sem êxito a pista, decidi verificar se o trem de aterrissagem descia. Tinha poucas esperanças que funcionasse, uma vez que o avião fora tão rudemente atingido pelas balas. Mas a luz verde na carlinga se acendeu, indicando que as rodas de pouso haviam descido adequadamente. Ainda mais estarrecido fiquei quando os pingentes de aterrissagem deslizaram para baixo das asas. Não há por que desesperar! - pensei.

As perspectivas de um pouso seguro pareciam ser boas uma vez que o trem de aterrissagem e os pingentes haviam descido. Dirigi-me a uma das pontas da pista e comecei a descer. Na incerteza do que aconteceria durante o pouso - o trem de aterrissagem poderia sofrer um colapso - desliguei o botão de ignição para reduzir as possibilidades de incêndio ou explosões. Habitualmente podia desligar facilmente o botão da ignição com a mão direita, mas agora era impossível. Consegui finalmente atingi-lo com a perna direita, depois de contorcer-me tanto quanto permitiam perna e braço esquerdos paralisados.

Calculando minha altitude e meu ângulo de descida pelo topo dos coqueiros, que confusamente divisava, mergulhei para a pista. Controlava o avião num estado de torpor, até que me pareceu que as rodas tocavam o solo.
Com o botão da ignição desligado, a hélice deixou de girar imediatamente após o avião tocar o chão. Pude sentir a aeronave diminuir a velocidade enquanto rolava pela pista.

O indescritível sentimento de que, por fim, estava de volta ao solo seguro encheu-me o corpo e a alma. É um momento supremo que pertence apenas a um piloto, e não pode ser explicado a um outro qualquer.
Cheguei! Esse pensamento atravessou jubilosamente a minha alma.

Talvez em face do súbito relaxamento da tensão, novamente as ondas de sonolência se abateram sobre mim. Dessa vez não houve resistência; entrei num mundo confuso de névoa vermelha. Não me lembro de quase nada do que aconteceu em seguida.

Antes de perder inteiramente a consciência, senti mãos que me seguravam os ombros e vozes gritando o meu nome. Gritavam: Sakai, Sakai, nunca diga morrer!

Vários homens saltaram para as asas do maltratado Zero. Eram eles o comandante Kozono, o oficial aéreo tenente comandante Nakajima, meu comandante de grupo, o tenente Sasai, meu líder de esquadrilha. Os três homens desataram meu paraquedas e meu cinto de segurança, levantaram-me da carlinga, e levaram-me cuidadosamente para o solo. Relataram-me posteriormente que meu rosto estava tão ensanguentado e tão terrivelmente inchado que eu parecia um ser estranho de outro planeta, de tal maneira que até meus pilotos me temiam e ficavam à distância."