sábado, 2 de dezembro de 2017

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Desarmamento não significa paz

É um grande erro misturar desarmamento com paz. Quando tivermos paz, teremos desarmamento.

Winston Churchill

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Imagem e pensamento

Me ver não significa necessariamente ver meu rosto.
Compreender meus pensamentos é ter me visto.

Mustafa Kemal Atatürk

Soberania

A soberania não é concedida, é conquistada.

Mustafa Kemal Atatürk

terça-feira, 31 de outubro de 2017

Patriotismo vs Nacionalismo

O patriotismo é quando o amor à seu próprio povo vem primeiro.
O nacionalismo é quando o ódio às pessoas diferentes, aos que não fazem parte dele, vem primeiro.

Charles de Gaulle

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Epistulae - Plinio o Jovem

Trechos das duas cartas escritas (Epistulae VI.16, VI.20) por Plinio, o Jovem, enviadas a Tácito, sobre a tragédia ocorrida pela erupção do Vesúvio, que destruiu, não apenas Pompeia, mas Herculano e outras povoações à sua volta em 24 de agosto de 79.

Vós me pedis a descrição do fim de meu tio para transmiti-la com maior veracidade à posteridade: eu agradeço; desse modo, prevejo que sua morte, glorificada através de vossas obras, beneficiar-se-á de uma glória imortal.
Com efeito, se bem que ele tenha perecido simultaneamente com povos e cidades durante um cataclismo que se abateu sobre as mais belas regiões, este notável acontecimento de certa maneira lhe assegura a imortalidade.

E, se bem que ele próprio tenha escrito - numerosas obras destinadas a permanecerem, seu futuro durará tanto mais que a elas se juntará a eternidade reservada a vossos escritos.

Quanto a mim, julgo felizes os homens aos quais os deuses concederam a graça de realizar ações dignas de serem registradas por escrito ou de escreverem livros dignos de serem lidos; mas felizes entre todos aqueles que receberam esta dupla graça. Entre estes incluirei meu tio, graças aos seus livros e aos vossos. Aceito de muito bom grado e até reivindico o que vós me impondes.

Ele se achava em Miseno e comandava pessoalmente a frota. No nono dia antes das calendas de setembro (24 de agosto), por volta da sétima hora (13 horas), minha mãe lhe faz saber que surge uma nuvem de tamanho e de aspecto excepcionais; meu tio havia tomado banho de sol, depois banho frio e, tendo feito uma refeição ligeira, trabalhava descontraído; pediu os calçados e subiu a um local de onde se podia melhor observar esse prodígio.

Levantava-se uma nuvem (de longe era impossível saber-se de que montanha; depois se soube que se tratava do Vesúvio). Parecia exatamente um pinheiro. De fato, estirada numa espécie de tronco muito comprido, espalhava-se no ar em ramificações; creio que havia sido levada por uma corrente de ar recente e depois, ao cessar esta última, a nuvem, abandonada, ou vencida pelo próprio peso, dissolveu-se se espalhando, ora branca, ora cinzenta e malhada, conforme estivesse carregada de terra ou de cinzas.

A meu tio o fenômeno pareceu importante e digno de ser estudado mais de perto: era a atitude natural de um sábio.

Fez armar uma galera Iiburniana (cruzador leve com duas fileiras de remos) e deu-me liberdade de acompanhá-lo se eu o quisesse; respondi que preferia estudar e ele mesmo indicou-me o assunto de que eu deveria tratar.

Ele saía de casa quando recebeu um recado de Rectina, mulher de Cascus, assustada com o perigo que a ameaçava: de fato, sua vivenda estava localizada em nível inferior ao vulcão e ela não tinha outra fuga senão pelo mar, suplicando a meu tio que a salvasse de destino tão funesto. Meu tio mudou de ideia e o que havia começado pelo amor da ciência ele terminou com o sentimento mui elevado do dever.

Fez sair os quadrirremes, ele próprio embarcou decidido não somente a socorrer Rectina, mas também outras pessoas (na realidade, os encantos do litoral atraíam muita gente).

Apressou-se rumo ao local de onde outros fugiam e manteve o remo de sua embarcação alinhado na direção do perigo, tão isento do medo que todas as fases desta catástrofe, todos os seus aspectos, contanto que os tivesse visto, meu tio os ditava ou os escrevia ele mesmo.

As cinzas já começavam a cair sobre o navio; à medida que seus ocupantes se aproximavam, as cinzas tornavam-se mais quentes e densas; viam-se já as pedras-pomes e seixos pretos queimados, expelidos pelo fogo; um baixio acabara de surgir e as rochas desabadas interditavam as margens.

Ele hesitou por um momento: recuaria ele?
A seu piloto, que a isto lhe aconselhava, disse ele: "A fortuna favorece a coragem; tome o rumo da habitação de Pomponianus".

Este último estava em Stabia, separada de sua moradia pela metade do golfo (naquele local, o litoral tem forma redonda, em suave curva, que o mar penetra). Naquele lugar, embora o perigo ainda não se tivesse dele aproximado, apesar de ser visível e de que, aumentando de intensidade, chegava cada vez mais perto, Pomponianus havia ordenado carregar os navios com sua bagagem, decidido a fugir assim que o vento virasse; este vento muito favorável empurrava meu tio, que beijou o amigo trêmulo, consolou-o, encorajou-o.

E, para que sua firmeza lhe atenuasse os temores, desceu para banhar-se; uma vez limpo, pôs-se à mesa, comeu com prazer ou, o que era igualmente magnânimo, afetou prazer.

Durante esse tempo, o Vesúvio brilhava em vários lugares com chamas imensas e altas colunas de fogo de cores vivas. A claridade era acentuada pelas trevas da noite. Meu tio, entretanto, para acalmar o temor, repetia que eram fogueiras deixadas acesas por camponeses apressados ou vilas abandonadas que se incendiavam. Nesse momento, ele se entregou ao repouso e dormiu um sono autêntico. Sua respiração, profunda e sonora devido à sua corpulência, era ouvida pelos que passavam pela porta do quarto.

Mas o pátio por onde se tinha acesso aos seus aposentos já estava cheio de cinzas e de pedras-pomes, elevando o nível do chão a tal ponto que, se meu tio tivesse ficado mais tempo no quarto, não teria podido sair. Acordado, levantou-se e foi ao encontro de Pomponianus e dos outros, que haviam ficado acordados a noite toda. Todos deliberaram de comum acordo: ficar dentro da casa ou sair?

As casas vacilavam depois de frequentes e graves tremores de terra; abaladas em seus alicerces, pareciam balançar de um lado para outro. Ao ar livre, por outro lado, temia-se a queda de pedras-pomes, embora fossem leves e porosas. Foi a isto que todos preferiram depois de compararem os perigos. Quanto a meu tio, a proposta mais razoável venceu; quanto aos outros, venceu o medo maior. Colocando travesseiros sobre a cabeça, amarraram-nos com fronhas e lençóis; isto servia de proteção contra tudo que caía do alto.

O dia já estava claro em todas as partes, mas aqui era a noite mais tenebrosa, mais negra que todas as outras noites. No entanto, numerosas vermelhidões e luzes variadas suavizavam-na.

Foi decidido ir-se até à praia e ver de perto se era possível sair navegando. O mar continuava agitado e adverso. Repousando sobre um lençol, várias vezes meu tio pediu água e bebeu.

Depois as labaredas e o odor do enxofre que as anunciava afugentaram seus companheiros e o acordaram. Apoiando-se em seus dois jovens escravos, levantou-se e logo caiu. Suponho que a fumaça muito grossa obstruiu lhe a respiração e fecho-lhe a laringe que, por natureza, ele tinha estreita e frequentemente oprimida.

Quando nasceu o dia (era o terceiro e o último que ele vira), seu corpo foi encontrado, em perfeito estado e coberto com as vestimentas que havia posto ao partir. Sua atitude assemelhava-se à de um homem que repousa do que à de um morto.

Durante esse tempo, em Miseno, minha mãe e eu.. Mas isto nada tem a ver com o caso e vós não quisestes saber outra coisa que não a morte de meu tio. Portanto, vou terminar.

Acrescentarei apenas que vos contei tudo a que assisti e que me foi relatado imediatamente, quando os relatos são mais exatos. Vós fareis a seleção que vos aprouver. Escrever uma carta é uma coisa, outra coisa é escrever uma página de história; escrever a um amigo é diferente de escrever para o público. Adeus.

Trecho da segunda carta, escrita depois de novo pedido do historiador Tácito. Onde Plínio, o Jovem, faz o relato perigos aos quais ele próprio e sua mãe esteve a escapar.

Vós me dizeis que a carta em que, a vossas instâncias, eu vos contei a morte de meu tio levou-vos a desejar saber que temores e mesmo que perigos eu enfrentei, eu que ele deixou em Miseno (de fato, eu havia chegado lá quando interrompi a missiva).

Se bem que meu coração treme com tais lembranças, recomeçarei.

Após a partida de meu tio, passei todo o resto do tempo estudando (aliás, eu havia permanecido com este objetivo); logo depois tomei banho, jantei e deitei-me para um sono curto e agitado. Durante muitos dias, como sinais de advertência, registraram-se abalos telúricos menos assustadores porque já estávamos habituados a isto na Campânia.

Mas naquela noite estes abalos assumiram tamanha intensidade que tudo parecia não tremer, mas girar. Minha mãe precipitou-se dentro do meu quarto onde, de minha parte, eu já estava de pé e decidido a ir acordá-la. Sentamo-nos no pátio da casa, exíguo espaço que separava a casa do mar. Hesito em falar de minha autoconfiança ou de minha imprudência (afinal, eu tinha meus 18 anos); eu implorei um livro de Tito Lívio e, como se estivesse em período de lazer, li e fiz até resumos, conforme havia começado. Chegou um amigo de meu tio, que acabava de regressar da Espanha para vê-lo. Quando me viu sentado em companhia de minha mãe, e me viu lendo, censurou minha passividade e minha indiferença com tanta veemência que eu permaneci atento à leitura.

Já era a primeira hora do dia e a claridade ainda era incerta e quase doentia; o casario já se espreguiçava e, apesar de estarmos ao ar livre, a estreiteza do lugar nos fazia temer grandes e inevitáveis perigos em caso de desabamento. Foi somente então que decidimos abandonar a cidade; uma multidão seguia consternada e, em meio ao pavor, identificava-se uma espécie de sabedoria - todos preferiam a decisão alheia à sua própria; uma imensa coluna empurrava e apressava os que partiam. Uma vez ultrapassada a zona construída, detemo-nos e aí experimentamos muitos sobressaltos.

Na verdade, as viaturas que havíamos levado conosco, apesar de o terreno ser perfeitamente plano, eram puxadas para o sentido oposto e, mesmo escoradas por pedras, não ficavam no lugar.

Além do mais, víamos o mar se afastar como se fosse repelido pelos abalos. Em todo caso, a praia havia aumentado de tamanho e, sobre a areia ressequida, viam-se muitos animais marinhos.

Do outro lado, uma nuvem vermelha e assustadora, rasgada por rápidos e cintilantes ziguezagues de uma língua de fogo, entreabriu-se formando longas chamas, semelhantes a relâmpagos, porém maiores.

Foi então que o mesmo amigo de Espanha fez-se mais enérgico e mais insistente. "Se vosso tio está vivo - disse ele - ele quer que sejais salvos; se ele pereceu, ele quis que vós lhe sobrevivêsseis. Por que então tardam a agir?"

Respondemos-lhe que não podíamos nos preocupar com nossa salvação quando nada sabíamos sobre a dele.  

Sem mais tardar, deixou-nos e, correndo desenfreadamente, escapou ao perigo.

Pouco depois, uma nuvem desceu sobre a terra e cobriu o mar, envolveu Capri e tirou-a da visão, ocultando agora o promontório de Miseno.

Foi então a vez de minha mãe rogar-me, exortar-me, ordenar-me a fugir por todos os meios; isto era-me possível, a mim que era jovem. Quanto a ela, alquebrada pela idade, morreria contente, se não fosse a causa de minha morte.

Eu então lhe respondi que só me salvaria junto com ela. Peguei-lhe então a mão e obriguei-a a apertar os passos. Ela obedeceu a contragosto e acusou-se de me retardar.

Viro-me: uma névoa negra e grossa ameaçava-nos por trás e seguia-nos, como uma torrente que se espalha sobre o solo. "Tomemos um atalho, enquanto podemos enxergar" - disse eu, com receio de sermos jogados ao chão na estrada e de sermos esmagados nas trevas pela multidão dos que fugiam conosco.

Mal nos sentamos, eis que cai a noite, não uma noite nublada e sem lua, mas uma noite que se passa num lugar fechado, com todas as luzes apagadas. Ouviam-se os gemidos das mulheres, o choro dos bebês, os gritos dos homens; alguns chamavam o pai ou a mãe pelos nomes, tentando localizá-los, outras chamavam pelos esposos, outros pelos filhos. Alguns lamentavam a própria adversidade, outros lamentavam a desgraça dos que lhes eram próximos; havia gente que, temendo a morte, invocava a morte, muitos estendiam os braços para os deuses, mas mais de uma pessoa explicou que em nenhuma parte havia mais deuses, que aquela noite eterna era a última do mundo.

Não faltava quem aumentasse os perigos reais mediante terrores fingidos e mentirosos. Chegavam pessoas anunciando que em Miseno tal edifício desabara, que aquele outro se incendiara: era falso, mas havia quem acreditasse.

Uma fraca claridade reapareceu. Uma claridade que nos parecia não a luz do dia, mas indício da aproximação do fogo. Pelo menos o fogo não avançava muito; novamente as trevas, novamente as cinzas abundantes e pesadas. De vez em quando levantávamo-nos para sacudí-Ias, senão elas nos cobririam ou mesmo nos esmagariam com seu peso.

Eu poderia me vangloriar de não ter deixado escapar um gemido, uma palavra pouco corajosa em meio a tão grandes perigos, se o pensamento de que eu perecia com tudo e de que tudo perecia comigo não me tivesse trazido um consolo amargo, certamente, mas apreciável.

Por fim o nevoeiro negro atenuou-se e desfez-se à maneira de uma fumaça ou de uma nuvem; logo depois brilhou a verdadeira luz do dia, o sol; no entanto, estava lívido como por ocasião de um eclipse.

Aos olhos ainda indecisos, tudo se oferecia sob um novo aspecto, tudo coberto por uma espessa camada de cinzas, como acontece com a neve. Regressando a Miseno, restauramos nossas forças como foi possível e passamos uma noite inquieta, divididos entre a esperança e o medo.

O medo era mais forte: a terra continuava a tremer e a maioria das pessoas, com o espírito transtornado por terríveis pressões, fazia mofa de suas desgraças e das dos demais.

Mas, nem mesmo naquele momento, embora conhecêssemos o perigo por experiência e esperássemos sua reincidência, não tivemos intenção de partir sem ter notícias de meu tio.

São estes os acontecimentos, indignos da história, e vós lereis, sem ter a intenção de escrevê-los em vossas obras; e culpareis a vós mesmos, que me pedistes, se eles não forem dignos sequer de uma carta. Adeus.

domingo, 15 de outubro de 2017

Imperium - Ryszard Kapuscinski

Depois de setenta e três anos de socialismo, as pessoas não sabem o que é a liberdade de pensamento e, assim, em seu lugar, praticam a liberdade de ação. E aqui a liberdade de ação significa liberdade para matar. E há perestroika para você, o novo pensamento.

Ryszard Kapuscinski
Imperium - 1993


Todos os ditadores, independentemente da época ou do país, têm uma característica comum: sabem de tudo, são especialistas em tudo. Os pensamentos de Kadafi e Ceauşescu, Idi Amin e Alfredo Stroessner - não há fim para as profundezas e a sabedoria.
Stalin foi especialista em história, economia, poesia e linguística. Como se viu, ele também era especialista em arquitetura..

Ryszard Kapuscinski
Imperium - 1993


Stalin ordenou a construção de uma estrada entre Yakutsk e Magadan.
Dois mil quilômetros pela taiga e permafrost.
Eles começaram a construí-la simultaneamente de ambos os lados.
O verão veio, o degelo e o permafrost derretendo, a água inundando o solo, transformou a estrada em um pântano.
Afogou-a e aos prisioneiros que trabalhavam nela.
Stalin ordenou que o trabalho continuasse.
Mas acabou da mesma maneira.
Mais uma vez, ele ordenou.
Os dois extremos da estrada nunca se encontraram, mas seus construtores talvez se encontraram no céu.

Ryszard Kapuscinski
Imperium - 1993

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Zero!

"Aviões inimigos! - adverti meus pilotos. Podia garantir que eram inimigos pela sua formação; duas formações, de quatro aviões, mantendo uma altitude de cerca de 5.400 metros.

Se a formação inimiga nos tivesse percebido, ter-se-ia imediatamente voltado para nós e forçado um ataque, tirando vantagem de sua altitude.

Mas parecia que não se haviam dado conta da aproximação dos nossos Zeros. Se quiserem lutar - pensei - terão que romper a atual formação. Não - Eles estreitaram o espaço entre os aviões! Nem se dão conta de que nos aproximamos - essa é uma oportunidade de golpeá-los rijamente!

Se conseguir abater dois aviões de cada formação em um só ataque. Tomando-os de surpresa pela retaguarda, estarei em condições de tomar conta da metade deles. Meus rapazes se encarregarão dos demais.

Empurrei a alavanca do acelerador até o fim, desenvolvendo velocidade máxima. Não importava que os demais Zeros me acompanhassem. Velocidade é da mais absoluta importância numa batalha e não podia deixar que a oportunidade se esvaecesse.

Havia boas razões para esse procedimento. Em três ocasiões diferentes eu fizera ataques de surpresa contra formações inimigas atacando de uma posição inferior e pela retaguarda e lograra abater dois aviões em cada uma das investidas.

A primeira vez fora nos céus de Surabaia, quando derrubei dois aviões holandeses, enquanto que a segunda e a terceira tiveram lugar em Port Moresby. Em ambas as vezes meus adversários eram Bells P-39. Tentaria o mesmo ataque agora.

A distância entre meu avião e a formação inimiga se encurtava rapidamente.. 500 metros, 400 metros, 300 metros. Nesse momento me inteirei dos pormenores dos aviões inimigos. Eu caíra numa armadilha!

Até esse momento eu acreditara que os aviões inimigos eram caças, mas não! Eram torpedeiros TBF.

Não admira que antes, tivessem estreitado o espaço os aviões; eles haviam avistado nossos caças e se uniram para proteção. Amaldiçoei-me pela minha estupidez. Estava apenas a 90 metros dos aviões inimigos. Avistava perfeitamente os torretas dos Grummans TBF - de cada incrustação de vidro uma pesada metralhadora de 12.7 mm - dezesseis ao todo - apontava para o meu único avião!

Não havia meios de fugir. Se me voltasse subitamente, exporia o flanco do Zero ao fogo concentrado de dezesseis metralhadoras. Somente podia continuar o ataque. Meu avião partiu célere contra os bombardeiros inimigos - 70 metros - 60 metros - 50 metros.

Não podia ir além. Apertei violentamente o botão de disparo.
Meu canhão de 20 mm e as pesadas metralhadoras do inimigo, espocaram quase simultaneamente, estabelecendo uma ponte de fogo e fumaça entre a estreita faixa que nos separava. Crack! Um ruído ensurdecedor além de toda descrição. O mundo inteiro explodiu e o Zero se agitou no ar como um brinquedo. Não sabia o que acontecera. Teria abalroado o inimigo? Não sabia dizer.

Senti-me como se me tivessem golpeado na cabeça com uma clava. O céu se iluminou de vermelho e caí inconsciente. Verifiquei mais tarde que dois aviões inimigos e o meu começaram a tombar simultaneamente. Talvez dois terços do para-brisa tivessem sido arrancados pelas balas das metralhadoras do inimigo.

Meu caça deve ter descido como uma pedra. Dentro de momentos, o ar frio que entrava pelo para-brisa destroçado fez-me voltar a mim. A primeira imagem que me veio à mente foi o rosto de minha mãe querida. "Que há com você? Tenha vergonha. desmaiar com tão pequeno ferimento'" - Ela parecia censurar-me.

De uma altura de 5.400 caí cerca de 2.000 metros. O avião ainda tombava descontroladamente, quando subitamente pensei num ataque suicida. Se devo morrer - pensei - levarei um navio de guerra americano comigo, estes são preferíveis aos navios de transportes. Vi-os apenas alguns minutos antes; lembro-me deles muito bem. Os curtos e bojudos são navios de transporte, os longos e esguios são cruzadores. Se golpeasse um cruzador, teria o mérito de um bom piloto.

Enquanto pensava mergulhar sobre um navio de guerra americano, perscrutava o oceano. Não vi navio algum! Não via nada! O que havia de errado? Somente então constatei que meu rosto havia sido retalhado por numerosos fragmentos de granada. Eu estava cego.

O Zero continuou a mergulhar em direção ao oceano. Devido à crescente pressão do vento que rugia através da carlinga estilhaçada, e ao fato de o Zero aumentar de velocidade na queda, minha mente se envolvia na confusão, incapaz de avaliar as condições do motor ou da minha posição de voo.

Estranhamente, não sentia dor. Inconscientemente, pela força do hábito, empurrei a alavanca de controle. Aparentemente o avião emergiu de seu mergulho descontrolado e retomou a posição horizontal; a pressão do vento através da carlinga deve ter contribuído.

Tentei mover a alavanca de aceleração do motor. Minha mão esquerda estava entorpecida; não conseguia sequer flexionar os dedos. Quando tentei pisar no pedal do leme, para corrigir o voo destrambelhado do Zero, verifiquei que minha perna esquerda também estava entorpecida.

Em desespero soltei a alavanca de controle e esfreguei os dois olhos com a mão direita. Esfregando duramente, comecei a vislumbrar a ponta da asa esquerda. Podia ver - embora confusamente - com minha vista esquerda! Conquanto continuasse esfregando meu olho direito, foi inútil. Não recuperei minha vista e o olho permaneceu cego.

Divisei através de uma brilhante fita vermelha, como se o mundo inteiro e tudo o que nele estava flamejassem violentamente. Bati minha mão e perna esquerdas com o mão direita, mas não senti nada. Estavam ambos completamente paralisados. Que acontecera? Continuei me interrogando vezes seguidas.

Bruscamente a dor explodiu na minha cabeça, uma dor de agonia, que me deixou fraco e sem fôlego. Experimentei tocar a cabeça com minha mão direita; voltou rubra de sangue. Foi nesse momento, quando ainda arfava de dor na cabeça, que avistei algo preto correndo abaixo de minha asa esquerda. Com meu olho esquerdo, via confusamente o que pareciam grandes objetos negros agitando-se atrás da asa.

Conjeturava sobre o que poderiam ser, quando abruptamente, acima do ruído do motor, ouvi o crepitar de metralhadoras. Várias balas perfuraram as asas e o Zero tremeu ligeiramente com o impacto. Eu voava diretamente por sobre o comboio de tropas do inimigo!

Agora minha vida chegou ao fim! - pensei. Já afastara toda a esperança de sobreviver àquele voo. Desde que recuperara, conquanto que precariamente, a capacidade de permanecer consciente e pilotar o avião, a qualquer momento poderia fazer um ataque suicida contra um navio inimigo. Não tinha sentido prolongar uma luta inútil. Aceita a inevitabilidade da morte, tornei-me calmo e avaliei melhor as condições do avião. E então pensei:

Não derrubei diversos aviões inimigos hoje? Provavelmente elevei para sessenta o meu total. Mandei todos aqueles aviões para o mesmo destino ao encontro do qual partia agora. Agora é minha vez. Sempre esperei que isso acontecesse. Nesse mesmo dia cometi o maior e o último erro de minha vida, quando confundi os bombardeiros TBF inimigos com aviões de caça. De qualquer maneira, finalmente deparara com aviões da Marinha Americana, pelos quais esperara tanto tempo. Não há nada de que eu tenha de se arrepender.

Nesse instante comecei a pesar as possibilidades de vida ou morte. Já sei, disse comigo. - Se puder, enfrentarei um avião inimigo e deixarei que me vença. Morrerei como um piloto em combate aéreo. Sempre haverá tempo para mergulhar contra um navio inimigo.

Aguardando um ataque de caças inimigos, muitos dos quais deveriam estar no ar para proteger o comboio de tropas, comecei a descrever grandes círculos.

Os minutos passavam lentos. Nada aconteceu. Virão eles, afinal? Ouvirei subitamente os sons da metralha quando os caças inimigos mergulharem sobre o meu Zero?' Esperei voando sem objetivo, mas nada aconteceu. Parecia que estava sozinho no céu.

Olhei para o mar embaixo, e notei que meu avião rumava para Tulagi. Quando minha cabeça melhorou e eu podia ver mais claramente com minha vista esquerda, alcancei o acelerador com a mão direita e empurrei a alavanca. O motor rugiu e o Zero arremeteu para frente.

Se continuar assim pensei, - poderei ganhar altura. E se a sorte não me abandonar, poderei até mesmo alcançar Shortland, ou Buka, se não a própria RabauI.

Apesar de ter aceitado a morte como inevitável, ainda assim era humano e desejava procrastinar a morte tanto quanto possível. Se o avião continuasse a voar e eu permanecesse consciente, eu teria boa chance. Mas primeiramente teria que deter a hemorragia. Tirei as luvas e examinei meus ferimentos.

Como o ferimento na cabeça me parecesse o mais grave e ainda sangrasse, inseri o index e o dedo médio através do rombo do meu capacete de voo. Os dedos penetraram fundamente na ferida que senti pegajosa e áspera. Obviamente a ferida era profunda, rompidos que estavam os ossos do crânio. Por incrível que pareça, minha cabeça estava clara agora e começava a ver melhor do que antes. 
 
Tateando os ferimentos, lembrei-me da estória sobre Ryuma Sakamoto, um corajoso samurai, que permanecera vivo depois de um assassino lhe ter infligido terrível cutilada. Bem, se a sorte continuasse, alcançaria Shortland. Tentaria lá chegar, se possível.
Algo deve ter entrado em minha cabeça - pensei. Sentia-a pesada e a hemorragia continuava. (Um exame médico posterior descobriu duas balas de metralhadora alojada em meu crânio).

Sangue quente pegajoso escoria ao longo da nuca, embebendo-se no cachecol e no colarinho de meu uniforme de voo. Coagulava-se numa viscosa e desagradável mancha.

Partes do meu rosto e cabeça estavam expostos ao vento e pareciam retalhadas como uma tábua corrugada. O sopro do vento pelo para-brisa estilhaçado secara o sangue, transformando-o numa pasta que me cobria o rosto.

Ainda me encontrava em sérias dificuldades. Não conseguia ler os pormenores na bússola por causa do olho direito ainda cego, e a visão pelo olho esquerdo era confusa.

Para alcançar Shortland, teria que retraçar o curso geral que haviamos percorrido em direção a Guadalcanal naquela manhã. Mas não conseguia determinar a direção certa. Não conseguia valer-me da bússola.

Felizmente, durante o voo a Guadalcanal. eu tentara preparar-me para uma emergência na eventualidade de minha bússola entrar em pane, e me encontrar afastado dos companheiros. Concluí que o melhor método de determinar a direção adequada seria tomar leituras das posições do sol.

Cuspi repetidamente sobre a mão direita, esfregando continuamente os olhos. Mas era inútil; nem sequer conseguia encontrar o sol! Com o crescente desespero de minha situação, o único consolo era o fato estarrecedor de que o avião, de alguma maneira, conseguia se manter em voo, a despeito dos pesados danos que sofrera. Por todas as razões, o caça já se devia ter desintegrado há tempo.

Incapaz de fazer algo, no momento, para acertar a direção adequada a fim de alcançar Shortland, tentei novamente deter a sangria da cabeça. Trazia sempre comigo bandagens triangulares, exatamente para tal emergência.

Tentei aplica-las nos ferimentos da cabeça, a ver se estancava o sangue. O vento tornou infrutíferas as duas primeiras tentativas, era extremamente difícil ajustar a bandagem em torno da cabeça, porque devia simultaneamente pilotar o avião, e minha mão esquerda estava paralisada.

Antes mesmo de perceber, as bandagens haviam desaparecido e minha situação não melhorara desde o instante em que havia começado. Desprendi o cachecol do pescoço. Segurando uma ponta com o pé direito, cortei o cachecol em quatro pedaços com uma faca apertada entre os dentes. Três dessas bandagens feitas do cachecol foram arrancadas pelo vento. Fiquei apenas com um pedaço.

Forcei-me à calma. Fora por demais impaciente e manipulara desastradamente as bandagens e as tiras do cachecol. Para reduzir a pressão do vento tanto quanto possível, baixei o assento até o extremo limite.

Coloquei então os controles do motor e a alavanca de controle em posição que permitisse o avião voar sozinho, e comecei a aplicar o último pedaço de bandagem na minha cabeça.

Segurando uma das pontas da tira do cachecol com os dentes, para evitar que o vento a levasse, com a mão direita empurreia-a polegada por polegada entre o espaço entre minha cabeça e meu capacete. Segurando o fôlego, apertei a jugular do capacete tanto quanto possível. A hemorragia cessou, senti que minha luta com as bandagens havia durado pelo menos meia hora.

Quando pensei que podia relaxar-me, fui assaltado pelo pior inimigo: uma invencível sonolência. Parecia-me mergulhar no sono, num torpor morno sem dor nem resistência. Com imensa dificuldade lutava contra o desejo avassalador de dormir.

Quando, finalmente, consegui manter aberto o meu único olho são, e olhei em torno, verifiquei com grande espanto que o Zero voava de borco. Rapidamente empurrei a alavanca e corrigi a posição de voo.

Sabia que se não me mantivesse inteiramente alerta de agora em diante, mergulharia para a minha própria morte. Apertei os punhos contra a cabeça; a dor resultante manteve-me desperto por algum tempo.

Em alguns minutos aumentou a cruciante dor na minha cabeça, a ponto de se tornar quase insuportável. Pensei que ia gritar. O rosto parecia atravessado por uma chama ardente. Estava sendo queimado vivo.

Mesmo assim, ondas de exaustão esbatiam-se contra mim, mergulhando-me na sonolência outra vez. O Zero cambaleava no ar quando minha mão afrouxava. Mesmo a terrível dor dos ferimentos não me manteria desperto. Fui obrigado, várias vezes a bater na cabeça com meu pulso direito.

De alguma maneira mantive meu Zero no ar, voando em linha reta e no mesmo nível. Mesmo nessa agonia, a sonolência lançou suas ondas sobre mim; e de cada vez eu as expulsava batendo com a mão fechada contra a cabeça.

Lutava desesperadamente para manter-me desperto. Sabia que não me seria possível continuar o voo nessas circunstâncias por muito tempo. Pensei subitamente em minha merenda; ainda havia alguma na carlinga.
Com as mãos ensanguentadas, empurrei os bolos de arroz para dentro da boca, forçando-me a comer. Consegui mastigar e engolir três pedaços, mas quando comecei a comer o quarto, subitamente senti enjoo e devolvi tudo o que havia engolido. Meu estômago não aceitava comida.

Novamente o sono desceu pesadamente sobre mim, obrigando-me a martelar a cabeça para manter-me consciente.

Se continuasse a sucumbir a sucessivos ataques de sonolência, sabia que cedo ou tarde eu cairia no sono, e isso representava o fim. Jamais alcançaria Shortland ou Buka. Concluí que seria melhor voltar a Guadalcanal e mergulhar sobre um navio inimigo do que afundar no oceano caso adormecesse ou se esgotasse o combustível.

Quando voltei a frente do Zero para a área de batalha, minha cabeça miraculosamente clareou. Meus sentidos estavam aguçados, e senti-me bem desperto. Novamente voltaram as esperanças de regressar a uma base japonesa. Voltei o avião outra vez e rumei na direção que julgava me levar para casa. Por alguns instantes a sonolência voltou.

A essa altura, movimentava-me por puro hábito. Pela terceira vez voltei o avião para a área de batalha em Guadalcanal, decidido a um ataque suicida. Foi uma sucessão de estados de alerta e de sonolência avassaladora. Repeti as manobras, virando o avião ora para Guadalcanal, ora para minha base.

Defrontava-me com o dilema de um instinto todo poderoso de auto conservação e o forte desejo de encerrar esse voo enlouquecedor com uma morte gloriosa. De alguma maneira, cada uma dessas emoções conseguia sua vitória e inconscientemente eu voltava o Zero, para frente ou para trás.

Tornei-me inteiramente cego outra vez. Uma sombra de ilhas que eu tinha visto desapareceram abruptamente e em seguida o painel de instrumentos mergulhou na escuridão.

A minha situação era a pior possível. Não lograva mais saber em que direção ficava Guadalcanal ou minha base. Tentei esfregar meus olhos com saliva, mas quando cuspi na minha mão nada saiu de minha boca. Tão seca estava que não restara um traço de saliva.

Tudo começou a sair-me errado. Estava perdido e inteiramente cego, meio paralisado. e com um avião destroçado. O Zero começou a jogar violentamente, sacudindo-se quando perdeu a estabilidade. Pendurei-me desesperadamente na alavanca de controle, tentando manter o nível do avião apenas pelo tato.

Repentinamente a luz me voltou! Linhas brancas raiavam diante de mim em tremenda velocidade. O Zero estava quase sobre as águas! As linhas brancas eram as cristas das ondas. que se erguiam exatamente abaixo das asas do avião.
No minuto seguinte vislumbrei uma ilha à minha frente. Deus me salvou! - gritei. Mas quando me aproximei, a "ilha" metamorfoseou-se em nuvem de chuva acastelada sobre as águas. Esse equívoco se repetiu por diversas vezes. Voei a esmo durante quase duas horas.

Finalmente, com minha cabeça melhorando constantemente, pude ler a agulha e as grandes letras da bússola com meu olho esquerdo. Minha chance de regressar à base japonesa era melhor do que nunca, desde que fora ferido.

Levando em conta o meu voo a esmo, julguei que minha posição ficava seguramente a norte-nordeste das Ilhas Salomão.

Com as mangas do meu uniforme de voo, esforcei-me por remover o sangue do meu mapa lambuzado e o estendi sobre os joelhos. Marquei com "X" o local onde julgava estar. Girei então noventa graus para oeste, esperando cruzar as Ilhas Salomão, que se estendiam de norte a sul.

Quarenta minutos após, avistei um recife em forma de ferradura. Era uma das Ilhas Verdes, que devido à sua forma peculiar, me haviam chamado a atenção no voo matutino. Se continuasse assim, em breve tudo estaria bem. Estivera em situação desesperada por algum tempo, mas parecia que agora estava no caminho certo de uma base japonesa. Nada é mais desencorajador para um piloto do que perder-se, principalmente quando o combustível se está esgotando.

O perigo de perder-me estava assim conjurado, mas quase imediatamente se abateu sobre mim outro incidente quase fatal. Mal havia colocado o Zero em seu novo curso, quando o motor parou, e o caça começou a despencar para o mar. O combustível dos tanques principais se exaurira, restando apenas quarenta galões do tanque de reserva.

Para economizar combustível, vinha mantendo o motor alimentado por quantidade de combustível tão minguada que não mais pegou quando liguei o tanque de reserva. Soltei a alavanca de controle e movimentei a do acelerador para a 'frente e para trás com minha mão direita, alternando os movimentos tão rapidamente quanto podia para manipular a bomba de gasolina. O Zero chegava já à superfície das águas quando o motor pegou.

Eu estivera operando freneticamente a alavanca do acelerador, trabalhando a bomba de combustível, e tentando prolongar o voo planado - tudo isso com um braço e uma perna paralisados e o olho direito cego. Eu estava coberto de suor frio.

Não demorei a avistar a Ilha de Nova Inglaterra. Rabaul não estava longe, e minhas esperanças de alcançar minha própria base cresceram rapidamente. Comecei a ganhar altura lentamente, para tomar o caminho mais curto através da ilha.

Subir requeria mais combustível. A despeito do desfalque em minhas reservas de combustível que se exauria rapidamente, tinha que tentar ganhar certa altitude. Abruptamente minhas esperanças se desvaneceram. Uma negra nuvem de borrasca apareceu diretamente à minha frente quando havia subido até 1.500 metros. Minha única alternativa era bordejar a costa da ilha. Não me atrevi a correr o risco de mergulhar através da borrasca.

Mudei o curso para sudoeste. Abaixo de mim apareceram várias esteiras brancas no oceano. Aparentemente eram navios de guerra japoneses que rumavam a todo vapor para o sul.

Se pousar na água, ao longo dos navios, - conjeturei - poderei ser recolhido. Mas isso poderia significar uma protelação de importante missão dos navios. Não posso fazer isso. Mantive meu curso para Rabaul. Os minutos voavam enquanto o motor zumbia. Conquanto muito cansado, não mais me assaltava a sonolência que antes quase ocasionara minha morte. Instantes após - não lembro o tempo exato, perscrutei a ilha debaixo de minha asa direita. Notei uma grande cratera no solo. Era a cratera da pista aérea! É Rabaul!

Era difícil acreditar no que via. Tudo parecia como num sonho. Mais tarde, verifiquei que eu estive oito horas e meia no ar naquele dia.

Aterrissar o Zero seria extremamente difícil, uma vez que minha mão esquerda estava paralisada e meu controle do leme seria precário. Tinha poucas esperanças de conseguir um pouso seguro, uma vez que o Zero havia sido tão severamente castigado pelo fogo do inimigo que era um milagre que o avião ainda se mantivesse no ar. Nesse caso, a única regra válida era pousar no mar. Mesmo que o avião naufragasse, o piloto poderia ser salvo pelos barcos salva-vidas que estariam esperando.

Preparei-me para descer na água, soltando levemente a alavanca do acelerador. Gradualmente o avião perdeu altura quando o coloquei a favor do vento. No momento em que descia para o mar, mudei de ideia. Estava certo de que minhas horas estavam contadas. Mesmo que pouse com êxito na água e seja recolhido, - pensei - não viverei por muito tempo. Envergonho-me de haver considerado a hipótese de causar tanto trabalho a meus amigos, que recolherão um homem de nenhuma serventia para o futuro.

Conquanto mais perigoso, pousarei diretamente na pista e pouparei todas as dificuldades que a descida na água possa criar.
Interrompi minha lenta descida e comecei a descrever círculos por sobre o campo, estudando a pista a ver a melhor maneira de aterrissar. Depois de sobrevoar sem êxito a pista, decidi verificar se o trem de aterrissagem descia. Tinha poucas esperanças que funcionasse, uma vez que o avião fora tão rudemente atingido pelas balas. Mas a luz verde na carlinga se acendeu, indicando que as rodas de pouso haviam descido adequadamente. Ainda mais estarrecido fiquei quando os pingentes de aterrissagem deslizaram para baixo das asas. Não há por que desesperar! - pensei.

As perspectivas de um pouso seguro pareciam ser boas uma vez que o trem de aterrissagem e os pingentes haviam descido. Dirigi-me a uma das pontas da pista e comecei a descer. Na incerteza do que aconteceria durante o pouso - o trem de aterrissagem poderia sofrer um colapso - desliguei o botão de ignição para reduzir as possibilidades de incêndio ou explosões. Habitualmente podia desligar facilmente o botão da ignição com a mão direita, mas agora era impossível. Consegui finalmente atingi-lo com a perna direita, depois de contorcer-me tanto quanto permitiam perna e braço esquerdos paralisados.

Calculando minha altitude e meu ângulo de descida pelo topo dos coqueiros, que confusamente divisava, mergulhei para a pista. Controlava o avião num estado de torpor, até que me pareceu que as rodas tocavam o solo.
Com o botão da ignição desligado, a hélice deixou de girar imediatamente após o avião tocar o chão. Pude sentir a aeronave diminuir a velocidade enquanto rolava pela pista.

O indescritível sentimento de que, por fim, estava de volta ao solo seguro encheu-me o corpo e a alma. É um momento supremo que pertence apenas a um piloto, e não pode ser explicado a um outro qualquer.
Cheguei! Esse pensamento atravessou jubilosamente a minha alma.

Talvez em face do súbito relaxamento da tensão, novamente as ondas de sonolência se abateram sobre mim. Dessa vez não houve resistência; entrei num mundo confuso de névoa vermelha. Não me lembro de quase nada do que aconteceu em seguida.

Antes de perder inteiramente a consciência, senti mãos que me seguravam os ombros e vozes gritando o meu nome. Gritavam: Sakai, Sakai, nunca diga morrer!

Vários homens saltaram para as asas do maltratado Zero. Eram eles o comandante Kozono, o oficial aéreo tenente comandante Nakajima, meu comandante de grupo, o tenente Sasai, meu líder de esquadrilha. Os três homens desataram meu paraquedas e meu cinto de segurança, levantaram-me da carlinga, e levaram-me cuidadosamente para o solo. Relataram-me posteriormente que meu rosto estava tão ensanguentado e tão terrivelmente inchado que eu parecia um ser estranho de outro planeta, de tal maneira que até meus pilotos me temiam e ficavam à distância."

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Androclo e o leão

Androclo, escravo do cônsul romano designado para a África, fugiu da casa do amo brutal e, depois de errar vários dias pelo deserto, refugiou-se, exausto, numa gruta solitária.
Um belo dia, horrorizado, divisou um leão enorme na entrada da gruta.
Notou, contudo, que o a fera manquejava e gemia de dor, em resultado, evidentemente de um ferimento na pata.
Recobrando-se do pavor inicial, Androclo reuniu uma dose suficiente de coragem para examinar a pata do leão, e dela retirou uma grande lasca de madeira. O leão não tardou a deitar no interior da gruta e adormeceu.
O homem e o animal viveram juntos, pacificamente, durante quase três anos, no mesmo local, sobrevivendo graças às caçadas do leão.
Mas depois, cansado daquela existência solitária, Androclo deixou o refúgio um dia que o leão saira para caçar.
Pouco depois, teve a má sorte de ser capturado por uma patrulha romana. Levado a Roma como castigo, foi condenado a morrer estraçalhado por animais ferozes no Circo Máximo.
Ele era apenas um dos muitos infelizes escolhidos para proporcionar uma diversão selvagem, naquela tarde, ao imperador e a uma grande multidão de espectadores.
E entre os animais selvagens arrebanhados na arena para dar cumprimento ao decreto do Estado, havia um leão que se destacava dos demais pelo tamanho imenso e pelo aspecto feroz.
O apavorado Androclo preparou-se para enfrentar a morte.
Súbito, porém, a fera agigantada, em lugar de precipitar-se sobre ele, sobresteve e, depois a passo lento, caminhou tranquilamente em sua direção, abanando a cauda como que em sinal de amistoso reconhecimento.
Quase morto de terror, Androclo - de olhos fechados - sentiu a língua quente do animal lamber-lhe as mãos e os pés.
Abrindo os olhos, encarou com atenção a fera que assim o acariciava de maneira tão dócil, e nela reconheceu o companheiro do deserto.
A multidão, maravilhada com o espetáculo extraordinário, aplaudiu estrepitosamente, e o imperador, chamou o antigo escravo para junto de si e ordenou-lhe que revelasse os antecedentes do estranho episódio.
Androclo contou, então, toda a história da vida que ambos haviam levado na gruta e o motivo do tratamento  compassivo do animal.
Inclinando-se diantre da demonstração popular, o imperador concedeu-lhe a liberdade, dando-lhe de presente o leão, como companheiro enquanto vivesse.
E os cidadãos de Roma não tardaram a acostumar-se ao espetáculo do homem que passeava pela cidade conduzindo, preso por uma fina fita de tecido, o leão domesticado pela bondade.

Aegyptiacorum - Apion

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Nibelungenlied

E Kriemhild pergunta a Hagen:
"Quero saber de uma coisa: onde está o tesouro dos Nibelungos?
Ele me pertence e deves devolvê-lo."
E Hagen, que o havia escondido nas profundezas do Reno, responde:
"Há anos, Rainha Kriemhild, dele não sei mais nada.
No Reno o deixei, e lá para sempre ficará."

O pretexto surgira.
A rainha dos Hunos incita seus guerreiros a combaterem o séquito de seu irmão, composto de mil guerreiros.
Morrem Gunther e Ortlieb.
Irredutível, Kriemhild não desiste, enquanto houver um inimigo vivo.

Durante os encarniçados combates, a própria rainha se incumbe de executar Hagen, com a espada que pertencera a Siegfried.
Logo depois, Kriemhild é trucidada por seus próprios guerreiros, que não se conformam em ver uma mulher matar um corajoso cavaleiro.

Não posso referir o que se passou depois.
Cavaleiros, mulheres e nobres escudeiros choram seus amigos mortos.
Aqui a história chega ao fim.
Esta é a agonia dos Nibelungos.

Disciplina

A única forma aceitável de disciplina é a disciplina perfeita.
O propósito primeiro da disciplina é manter os homens alertas. Um soldado que é tão letárgico a ponto de esquecer de bater continência para um oficial, será também alvo fácil para o inimigo.

George S. Patton

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Alexandre o grande e os Citas

Contrariamente ao que se diz, Alexandre sabia calar-se e render-se à sabedoria de homens de valor. Disso deu provas nos seus primeiros contatos com a Asia, ao ouvir pacientemente o discurso de um embaixador cita; um grego não ousaria dizer a sua frente metade do que foi dito sem correr o risco de morrer.

Eis o discurso:

"Se a ti os deuses tivessem dado um corpo proporcional as tuas ambições, o universo seria pequeno para ti; com uma das mãos tocarias o oriente e com a outra o ocidente. E não contente ainda seguirias o sol para saber onde se deita.
Tua ambição é maior do que tu. Quando tiveres subjugado todos os homens, farás guerra aos rios, as florestas e às feras.
Porventura ignoras que as grandes árvores custam a crescer e que em uma hora podes abatê-las?
O insensato cobiça-lhes os frutos sem considerar a altura. Atenta pois para não caires em meio aos galhos em que te enredares.
O leão as vezes serve de pasto as aves pequenas e a ferrugem corroi o ferro.
Nada existe que seja tão forte que não possa ser destruido por um conjunto de coisas mais fracas.
Que temos a discutir contigo? Nunca pusemos os pés em tuas terras.
Por que negas aos que aqui vivem, o direito de ignorar a tua presença e o que és?
Não queremos obedecer nem mandar em ninguem, e para que saibas que espécie de gente somos, queremos dizer-te que dos deuses recebemos como dadivas preciosas uma junta de bois, um arado, uma flecha, um dardo e uma taça.
Estes são os nossos instrumentos de paz e de guerra.
Com os amigos partilhamos o trigo obtido com o trabalho dos bois e na mesma taça oferecemos vinho aos deuses.
Quanto aos inimigos, a flecha os abate de longe e o dardo de perto.
Tu te vanglorias de que vieste em nome da justiça para exterminar os ladrões; És o maior ladrão da terra.
Saqueaste e dizimaste as terras sob teu jugo e ainda vens roubar nosso rebanho.
Em tuas mãos ja não cabem mais presas.
Que pretendes fazer de tantas riquezas que somente aumentam tua sede?
Na abundancia tiveste como companheira a solidão.
Para ti a vitoria é a semente de novas guerras.
Nenhum povo se submete ao jugo de um principe estrangeiro.
Prossegue no mau caminho que tomaste e sentirás a vastidão de nossas planicies.
Podes perseguir os citas, duvido que os alcance.
Nossa pobreza nos faz leves e ágeis, enquanto tu terás que carregar o pesado fardo dos despojos das terras que pilhaste e, quando pensares que estamos longe, hás de nos ver sempre a teus calcanhares, pois com a mesma rapidez com que fugimos de nossos inimigos, os perseguimos.
Crê, a fortuna é escorregadia; cuida bem para que não te escape, e difícil será retê-la se ela quiser abandonar-te; põe-lhe um freio antes que ela te seja adversa.
Finalmente, se és deus, como o dizes, apieda-te dos mortais.
Mas se és um homem, pensa sempre no que és, pois é vão alimentar pensamentos que nos afastem de nós mesmos.
Deixa-nos em paz e seremos bons amigos, pois as mais sólidas amizades se fazem entre iguais e não te iludas em ser amado pelos vencidos; entre o senhor e o escravo não pode crescer o fruto da amizade.
Saiba ainda que para selar nossa aliança não precisamos nem de juramentos nem do testemunho dos deuses; pois aquele que não cumpre sua palavra de homem não tem escrúpulo em enganar aos deuses. Podeis então escolher: ter-nos como amigos ou como inimigos".

domingo, 6 de agosto de 2017

În căutarea lui Dracula

"..ele odiava tanto o mal nos seus domínios que quando alguém cometia uma iniquidade, como roubar, furtar, mentir ou cometia injustiça, não tinha possibilidade de ficar vivo. Fosse ele nobre, sacerdote, monge ou homem comum, e ainda que muito rico, não escaparia da morte e da punição.
E ele se preocupava que houvesse uma fonte de água fresca e pura, onde os viajantes sedentos, vindos de lugares distantes pudessem saciar sua sede. Perto dessa fonte, havia uma grande taça de ouro trabalhada. Assim quem quisesse saciar sua sede, poderia utilizá-la, deixando-a depois em seu devido lugar. E enquanto o príncipe viveu, a taça nunca foi roubada.."

"Certa vez um negociante, procedente da hungria, viajou até a capital de Dracula. Seguindo seu capricho, deixou a carruagem na rua, defronte do palácio, com todos os seus bens dentro. Um ladrão veio a noite e lhe roubou 160 ducados. O negociante foi até Dracula e lhe falou sobre seu prejuizo. Nosso príncipe lhe disse: Podes ficar tranquilo, esta noite teu dinheiro será devolvido.
E deu ordens para que o ladrão fosse capturado. Acresentando aos guardas: Se não encontrades o ladão, destruirei a cidade até seus alicerces.
Deu a seguir ordens para que uma bolsa com 160 ducados de ouro fossem colocados de volta na carruagem.
Antes que a bolsa fosse posta na carruagem, acescentou uma moeda de ouro a mais..
Na manhã seguinte, ao acordar, o comerciante foi até a carruagem e deparou com a bolsa contendo seus ducados. Resolveu contá-las. Contando uma segunda vez, para eliminar qualquer dúvida, encontrou uma moeda de ouro a mais.
Após isso, foi até Dracula e disse: Senhor, minhas moedas me foram devolvidas, mas encontrei uma moeda a mais, que não me pertence.
E Dracula, com uma olhar sério e ao mesmo tempo divertido, retrucou: Se não me tivesses contado sobre a moeda a mais, te mandaria empalar junto com o ladrão. Volta em paz a tua terra.

În căutarea lui Dracula - O istorie adevărată a lui Dracula și legendele cu vampiri.

Florescu, Radu

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Cuauhtémoc



Estou certo de ter cumprido meu dever em defesa da minha cidade e do meu povo e nada mais posso fazer... Tomai o punhal que tendes à cinta e matai-me sem demora. 

 Cuauhtémoc - Último imperador Asteca

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Caminhar por si mesmo

O que é bom para vocês e o que é bom para nós podem ser coisas diferentes. O bem forçado ou o mal forçado podem fazer um povo gritar em desespero. O minério aceita de bom grado a chama que o transforma? Não há razão para ofensa, mas um povo fraco precisa se erguer sozinho. Nossa raça estará aleijada até que descubra os próprios pés para andar por si mesma.

Fayṣal al-Awwal ibn al-Ḥusayn ibn ‘Alī al-Hāshimī

quarta-feira, 31 de maio de 2017

Molho Inglês - Como fazer

Ingredientes:

Líquidos:

1500 ml de vinagre branco
75 ml de aguardente

Outros:

300 gramas de açúcar

Sólidos:
80 gramas de sal refinado
15 gramas de pimenta branca ou pimenta da Jamaica
15 gramas de pimenta do reino
30 gramas de gengibre
3 gramas de cravos
6 gramas de noz-moscada
1 pé de aipo
Meia folha de louro
1 punhado de salsa
1 galho seco de orégano

Preparo:

Passe pelo processador ou máquina de moer, todos os ingredientes sólidos.
Ponha o açúcar em uma panela e mexa este sem parar até que ele fique marrom (Não adicione água).
Junte o vinagre (Sempre mexendo) e os ingredientes sólidos que você processou.
Deixe ferver por 15 ou 20 minutos.
Retire do fogo e despeje tudo em um pote de boca larga, deixe esfriar e tampe-o.
Deixa a mistura descansar por aproximadamente dois ou três dias, coe a mistura e adicione a ela a aguardente.
Deixe agora esta mistura descansar por mais cinco dias, mexendo uma vez por dia com uma colher de pau.
Após este tempo, coe definitivamente a mistura e deixe-a ficar em um pote tampado o maior tempo possível. O ideal é que esta mistura fique maturando aproximadamente por Três meses.
Após isto, engarrafe e use.

Dica: Quanto mais tempo o molho ficar maturando, mais o seu sabor se acentuará, ficará mais forte.